Rio+20 e a matriz energética – Parte III


Hidrelétricas e linhas de transmissão Fonte: Aneel

Telma Monteiro

Energia elétrica

Alguém sabe o que é Modicidade Tarifária? O que realmente pagamos numa conta de luz residencial?

Modicidade Tarifária é definida como "o fator essencial para o atendimento da função social da energia e que concorre para a melhoria da competitividade da economia”. O Novo Modelo do Setor Elétrico criado pelas Leis 10.847 e 10.848, de 2004, tem entre seus objetivos principais garantir a segurança do suprimento de energia elétrica, promover a modicidade tarifária, promover a inserção social no Setor Elétrico Brasileiro pela universalização de atendimento. 

Para ilustrar como a Modicidade Tarifária é uma balela, nada melhor que usar o exemplo de uma conta de luz residencial no valor de R$ 400,00: R$ 180,00 (45%) são encargos e impostos; R$ 104,00 (26%) são os custos de geração; R$ 94,00 (23,5%) são os custos da distribuição (redes locais); R$ 22,00 (5,5%) são os custos da transmissão. 

Gráfico é ilustrativo
  Os 45% são compostos por 23 impostos e 13 encargos. "O Governo Federal fica com 13,91% dos tributos, o Estadual com 20,80%, o Municipal com 0,02% e os encargos setoriais são de 8,78%. O percentual restante, de 1,56%, é destinado aos encargos trabalhistas[1]. “O efeito acumulado da multiplicidade de tributos embutidos na conta de luz representa dez pontos percentuais a mais da economia nacional, que é de 35% do PIB”, pontua o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales." 

O Brasil apresenta uma das maiores incidências de carga tributária do mundo sobre a tarifa final na conta de luz. O que a torna muito cara, mesmo sem acrescentar os custos socioambientais relacionados à construção de hidrelétricas. Então, como engolir esse argumento das autoridades do setor elétrico sobre a nossa incrível matriz elétrica limpa e barata?

O que existe é a consolidação da capacidade de geração de energia por fontes sujas, caras e insustentáveis quando comparada à capacidade instalada de fontes alternativas genuinamente limpas.  O resto do mundo já começou a agir, como a Dinamarca que aprovou o plano ambicioso de gerar 50% de toda a eletricidade consumida no País a partir de energia eólica já em 2020[2]. Será que a Dinamarca consegue "estocar" vento e o Brasil não?

A evolução da nossa matriz "limpa e barata" está demonstrada no Balanço Energético Nacional. A participação da hidroeletricidade na matriz elétrica até diminui no período de 2009 a 2030, de 84% para 72%, mas há um aumento da participação das termelétricas de 7% para 13%, um aumento da participação energia nuclear de 3% para 4%, e um aumento "impressionante" de eólica de 0% para 1% (multiplicar zero é difícil!). Isso está demonstrado no gráfico abaixo.

 O Atlas do Potencial Eólico Brasileiro reavaliou o potencial eólico que aumentou de 143,5 GW (2001) para 300 GW (2010)[3] de energia disponíveis para serem explorados.  Foi previsto um aumento de 32 GW de hidroeletricidade entre 2010 e 2020. Bastaria, portanto, utilizar pouco mais de 10%  do potencial eólico como complemento para evitar a construção das hidrelétricas planejadas na Amazônia. Se ainda for levado em conta o potencial de energia solar fotovoltaica, o Brasil ficaria num patamar de sustentabilidade energética de fazer inveja: sem precisar construir as novas hidrelétricas e explorando aquilo que temos em abundância: horas de sol.

Mas para o governo brasileiro, a geração eólica se situa no mesmo "bolo" junto com as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e a biomassa sem que seja possível aferir quantos pontos percentuais será o aumento de cada fonte até o horizonte de 2020 (gráfico abaixo).


Energia solar fotovoltaica nem é mencionada no planejamento de expansão do governo, pois faltam políticas públicas que incentivem o uso dessa fonte alternativa.  As concessionárias de eletrificação rural e urbana não têm interesse em investir  no desenvolvimento de mecanismos de inovação tecnológica em energia solar fotovoltaica. O sistema de distribuição já é deficiente como comprovam apagões locais em diversas regiões do Brasil.

O maior entrave ao desenvolvimento da energia solar fotovoltaica está mesmo na ausência de incentivos ao mercado para atrair investidores. Não há lacunas técnicas ou falta de interesse da sociedade, mas é nítida a sensação de que enquanto houver um único MW a ser explorado com hidrelétrica na Amazônia, a opção pela solar fotovoltaica não receberá a atenção do governo ou das fontes de recursos públicos.

Em 2011, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) divulgou o III Relatório Especial sobre Fontes Renováveis ​​de Energia e Mudanças Climáticas Mitigação (SRREN) que mostra que as fontes renováveis [limpas] de energia suprirão 80% da energia em 2050. Para isso é preciso adotar políticas públicas que incentivem o uso dessas fontes mais limpas de energia.  E o Brasil? O que tem feito nos últimos 20 anos em termos de políticas públicas para incremento de programas de eficiência energética e fontes alternativas às hidrelétricas?

Existe esforço concentrado do governo, grandes empresas e Bancos  para levar o país à liderança entre as nações ricas. Sem sustentabilidade. A exploração do petróleo do pré-sal, que ainda não tem nem uma tecnologia segura, é um sintoma dessa obsessão. E os biocombustíveis, o chamado combustível "verde" baseado na produção de monoculturas em terras férteis, muitas vezes utilizando trabalho análogo ao escravo favorece o uso indivudual do automóvel em detrimento do investimento em transporte de massa.

A Rio+20 pretende reinventar a economia. Ela deverá ser "verde" daqui para frente, por exigência dos poderosos de plantão. A proposta é que a era da "economia verde" seja pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva.

Qual será a nova definição de uso eficiente dos recursos naturais? Que se saiba, desde a Eco 92 temos perseguido o desenvolvimento sustentável com o objetivo de utilizar de forma eficiente os recursos naturais para que as gerações futuras tenham alguma chance de sobrevivência. Pelo menos ma teoria. Então, o novo conceito é mais do mesmo, com outra roupagem? Estão criando novas estratégias de gestão e práticas pseudo-sustentáveis de dominação da natureza que, segundo as propostas, prevêem a erradicação da pobreza e a diminuição do abismo da desigualdade social.  

Lógico que o Brasil pretende elucubrar a sua própria "economia verde” pós Rio+20 e, ao que tudo indica, no que tange à energia elétrica, deverá ser escorada  em hidrelétricas, combustíveis fósseis, exploração do pré-sal, em metas pífias de conservação e eficiência energética.  É melhor então esquecer a Rio+20 e começar a pensar na reconstrução da vida em algum ponto da galáxia, nos próximos vinte anos.

Só tem um caminho: despertar a opinião pública para uma sociedade menos perdulária, uma sociedade sustentável. Nada de aceitar a pauta “goela abaixo”  de um crescimento imponderável.


[1] 45% da conta é para pagar tributos, por Juliana Sampaio, FolhaPe, disponível em http://www.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/edicaoimpressa/arquivos/2012/Abril/29_04_2012/0034.html


[3] Perspectivas da geração eólica na expansão da oferta de energia elétrica no Brasil - Amilcar Guerreiro
Diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, 2011 

Comentários

  1. Mesmo com todo o excesso de eletricidade – de origem hidroelétrica anunciado insistentemente pelo ONS – os consumidores do mercado livre até 500 Kw – Shopings, hospitais, bebidas, frigoríficos – são obrigados a comprar esta energia das concessionárias. A debandada é geral. Aqueles consumidores acima 500 Kw só é permitido se comprarem energia de fontes renováveis incentivadas pelo governo. As demais compram de quem quiser: cimenteiras, siderúrgicas, petroquímicas e empresas eletrointensivas.
    “Jamais a fuga de consumidores do mercado comum de energia alcançara tamanha velocidade” (folha de hoje). O furo está justamente no planejamento da compra de energia pelas concessionária. Elas compraram energia para um consumidor que deixou de existir: simplesmente foi embora. Metade da conta de luz de um consumidor residencial corresponde a esta energia sobrecontratada, o que mostra o absurdo de 1 Kwhora a ser gerado por 8 centavos nas recém-licitadas usinas da Amazônia, chegar ao consumidor da Cemig por 60 centavos.

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  2. Não é só o gás que é mais caro. A gasolina tambem é mais cara no posto apesar de ser bancada na distribuidora abaixo do valor que é importada.
    A tarifa de energia elétrica – que já é cara demais – vai ter que subir porque as concessionárias estão perdendo consumidores para os Shopings, cevejarias, hospitais, frigoríficos, cerâmicas, etc, que conseguem produzir energia térmica e elétrica mais barata do que a concessionária em usinas combinadas.
    No caso do gás, a Petrobras tem compromisso com a Eletrobras de manter reserva de gás para a emergência do funcionamento de termoelétricas, apesar dos reservatórios estarem cheios nessa época do ano. Ainda assim, o país produz um excesso de eletricidade – segundo o Operador Nacional do Sistema – para um mercado industrial em declínio.

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  3. ATÉ QUE ENFIM
    O aumento autorizado de 10% do preço da gasolina nas destilarias traz os seguintes benefícios:
    – Aumento no caixa da Petrobras.
    – Incentivo à retomada do programa do álcool pela elevação do teto.
    –Economia na importação de gasolina e etanol americano, acrescida pela baixa do petróleo, hoje em 92 US$/barril DO TIPO Brent.
    – Manutenção do preço no posto pela eliminação da CIDE.

    Se voltar a misturar 25% de etanol anidro na gasolina C vai ter de importar álcool anidro mais caro que foi isento de subsídio pelo congresso americano.
    Agora, não existe mais razão para culpar americanos pelo nosso fracasso. O etanol de cana ganhou até prêmio de qualidade em dobro do subsídio retirado.
    De qualquer forma valeu a pena insistir. Na próxima vez poderá ser o PIS ou COFINS. Não vamos ser ingênuos a ponto de esperar por uma completa reforma tributária e fim da guerra fiscal entre estados pelo ICMS. Devagar a presidenta vai acolhendo os pedidos da área técnica. Ainda bem.

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  4. O LOBO E O CORDEIRO
    A quem estão se referindo quando afirmam serem americanos os maiores poluidores do planeta? Quais deles: Os do passado ou os do presente? Se forem os do passado, o que fizeram são favas contadas, não mais recuperáveis. Pelo contrário fizeram bem e estamos agradecidos por nos legarem todos os confortos que desfrutamos hoje, inclusive este instrumento que estamos usando. Se não tivessem feito, alguns milhões de indianos muito provavelmente estariam mortos pela fome. Estaríamos vivendo na barbárie.
    Se for os do presente o problema ambiental muda de foco, porque a questão objetiva é saber: quem tem melhores condições de reduzir a poluição: países industrializados ou emergentes?
    Industrializados conseguem aumentar a renda com gasto menor de energia, ambos per cápita. Já os emergentes são e serão os maiores concorrentes para o aumento da poluição ambiental. O que interessa é a derivada, e não a poluição absoluta. Por isso a questão ambiental não é um fenômeno objetivo.

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  5. Com a seca nos Estados Unidos o preço do milho dispara no mercado internacional e o preço do etanol de milho importado encarece mais ainda pela obrigatoriedade da aditivação à gasolina naquele país. Isto constitui rara oportunidade para o etanol de cana – premiado com subsídio dobrado – se firmar no mercado internacional, mesmo que a custa de redução na produção do hidratado e mesmo do açúcar. Redução no percentual para 20% ou mesmo 15% pode trazer economia, sem prejudicar o poder antidetonante. Antigamente – no começo do Proálcool – a aditivação mal chegava a10%.
    Não há empecilho para que o etanol seja produzido a partir do milho no Brasil, bem como a partir de qualquer outra gramínea (mesmo o celulósico em P&D).
    È altamente interessante a busca de um acordo bilateral entre os dois países maiores produtores para evitar grandes estoques de milho ou de etanol, já que os países são complementares pela sazonabilidade e o Brasil ainda pode contar com o milho “safrinha”.
    Os produtores de carne americanos estão pedindo proteção do goveno americano para eliminação do etanol na mistura, principal concorrente (40%)da produção de milho. E, por lerdeza do governo brasileiro não temos etanol para exportar e os produtores de todo tipo de carne tambem são concorrentes pela produção de milho e soja.

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