As inviabilidades de Belo Monte. Primeira Parte.

Reflexões e Provocações Prof° Henrique Branco

Há décadas se discute a construção de uma usina hidrelétrica no rio Xingu, no estado do Pará. Durante a década de 80, os estudos técnicos indicaram que no referido rio poderia se construir um grande barramento para fins de geração de energia, especificamente na grande volta que o rio da à jusante da cidade de Altamira. Na época se batizou o empreendimento de Kararaô.

Os estudos seguiram pela década de 90, sendo parados dependendo do contexto econômico do país. Os estudos indicavam que pelo projeto inicial a área que deveria ser alagada correspondia a 18,2 mil km², ou seja, uma catástrofe ambiental. Quase nove vezes o volume de água que foi represado em Tucuruí. Nesse período, estávamos saindo de um regime de exceção, a ditadura dava lugar a democracia, com ela trazia - de volta - os movimentos sociais e a mobilização de classes. Pela inconsistência técnica do projeto, além dos graves e irreversíveis problemas socioambientais, os estudos não seguiram adiante. O exemplo de Tucuruí pesava contra a Eletronorte.

O crescimento econômico brasileiro gera uma demanda enorme por energia. Algo em torno de 5 mil MW por ano, o que corresponde ao consumo anual da cidade de Belém. Com o potencial hidro-energético da Amazônia, os olhos do governo voltaram se todos para cá. A geração de mais de 8 mil MW por ano de Tucuruí não estar mais suportando a intensa procura por energia do mercado. Não podemos esquecer, que a hidrelétrica construída no rio Tocantins, 2/3 de sua energia produzida vai direto para o complexo Albrás-Alunorte e o projeto de extração de ferro em Carajás, a preços altamente subsidiados, onerando a arrecadação do Estado em mais de 200 milhões por ano.

No início deste século, os estudos técnicos retornaram a pauta do governo. A intenção de construir Kararaô, agora Belo Monte, voltava com toda a força. A crise energética em 2001, forçou o governo a adiantar os processos de estudo, viabilidade e licença de grandes empreendimentos energéticos para a região, dentre eles, Belo Monte.

O barramento no rio Xingu, na sua grande volta, visa gerar 11 mil MW, o que a tornaria a maior hidrelétrica genuinamente brasileira e, a terceira do mundo. Os dados na geração máxima impressionam. Mas escondem uma grave distorção no processo de geração. Metade do ano, Belo Monte, só irá gerar pouco mais de 4 mil MW de energia, ou seja, menos da metade do pretendido. Isso porque, o rio Xingu tem uma grande diferença de grande de vazão, mas acentuado do que em outros rios.

No inverno amazônico (nos meses de dezembro a abril) o rio tem sua vazão máxima, alagando imensas áreas próximas ao seu leito, nas planícies amazônicas. No verão, o problema é sério. O rio baixa tanto de nível, que em algumas trechos do Xingu é possível atravessar a pé. Nesse período do ano, a usina deverá operar em baixa potencia, com 2/3 de suas 20 turbinas paradas.

Essa ociosidade de operação cria divergências na viabilidade técnica no projeto. Os técnicos da Eletronorte alegam que no período de seca do rio, a usina receberá suporte energético de outras regiões para movimentar suas turbinas. Isso será possível pelo SIN (Sistema Integrado nacional), que interliga em todo o território nacional o sistema de geração e distribuição de energia. Esse sistema mantém funcionando usinas da região norte no período de seca, pelas usinas do centro-sul do país. A diferença climática mantém regularmente funcionando todo o sistema. Enquanto aqui é seca, lá chove e enche os reservatórios.

Os números que cercam a Hidrelétrica de Belo Monte são impressionantes. A Eletronorte afirmava que os custos totais da obra seriam de sete bilhões de dólares. Depois esticou até 14. Já os especialistas e críticos do projeto, afirmam que a usina custará em torno de 30 bilhões de dólares, ou seja, 60 bilhões de reais. Bem acima das previsões da empresa e do governo. Gastar mais de 60 bilhões de reais para gerar em média quatro mil MW, o que deve tornar o preço do KW o mais caro do mundo.

Outra questão que é pouco abordada nas discussões, diz respeito ao projeto de transmissão da energia gerada pela usina. Como Belo Monte está localizado longe dos centros consumidores de energia, isso ocasionará uma grande e onerosa rede de linhões que transmitirá a energia gerada até o centro-sul do país. Os custos da transmissão é tão grande, cerca de 1/3 do valor da construção da usina que a Eletronorte fará o leilão de concessão da transmissão separadamente da construção da barragem. Mais uma questão que pesa contra o barramento do rio Xingu pela usina.

Apesar dos rios amazônicos serem de grande extensão e volume de água, detém pouca declividade, por estarem assentados em sua maioria em vales e planícies inundáveis. Isso acaba por gerar grandes barramentos nesses rios. É o caso de Tucuruí, no rio Tocantins, que provocou a construção de uma barragem de 74 metros de altura, inundando uma área de mais de 2,4 mil Km², o segundo maior lago artificial do Brasil.

No caso de Belo Monte, há um desnível natural do rio, que chega a 90 metros na sua grande volta. Era o que os engenheiros precisavam para a construção da usina sem inundar grandes áreas e sem a necessidade de construção de grande barramento de concreto. Os técnicos resolveram implementar uma engenharia nova se tratando de uma usina deste porte no Brasil: a fio d’água, ou seja, a água que movimentará as turbinas será naturalmente a corrente do rio, não necessitando barra-lá.

Nos estudos anteriores, Belo Monte não era pensado para operar movimentando as turbinas pela água corrente do rio, por isso seu barramento deveria inundar uma área que comprometeria todo o ecossistema local e até - de certa forma - o bioma amazônico. Os impactos seriam tão latentes que a obra tornou-se moralmente inviável.

Continua na próxima…

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