Mais hidrelétricas e termelétricas até 2021 – O futuro que "eles" querem


Obras da usina Santo Antônio, rio Madeira, RO
ESCRITO POR TELMA MONTEIRO[1] para o Correio da Cidadania
SÁBADO, 20 DE OUTUBRO DE 2012

O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) 2021[2] já está disponível para consulta pública e, no que concerne à energia elétrica, ele prevê aumento da demanda com o crescimento alavancado pelo petróleo do Pré-Sal e pelos eventos esportivos de 2014 e 2016. O PDEE 2021 aposta num crescimento do PIB de 4,7% ao ano nos próximos 10 anos, contrariando todos os prognósticos dos economistas. Mas, como esse plano é elaborado apenas por empresas, instituições, associações e autoridades do governo do setor elétrico, não é de espantar que as projeções que dele constam sejam pródigas em pontificar a necessidade de projetos hidrelétricos. 

Em mais uma edição, Plano Decenal de Expansão de Energia (PDEE) é uma peça de ficção do planejamento energético brasileiro projetado para os próximos 10 anos, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com a colaboração de empresas e agentes do setor energético. No final do texto, podem-se encontrar os agradecimentos aos membros da "Nomenklatura" do setor que manda no Brasil. Cerca de 150 empresas nacionais, transnacionais, entre elas Vale, Petrobras, Odebrecht, Brasken, Eletrobras, Eletronorte, Furnas e associações do setor como ABRACE, APINE, BRACELPA e instituições governamentais, participaram do planejamento energético do país.

Procurei na lista os nomes das organizações da sociedade civil, pesquisadores e ambientalistas, especialistas da academia e representantes daqueles que sofrem na carne os impactos das políticas do MME calcadas em premissas mirabolantes de crescimento econômico desacompanhado de sustentabilidade. Procurei, também, alguma menção à Rio+20 ou, como bem disseram alguns, à Rio-40 sobre "O futuro que queremos", e só encontrei, enveredando pelas 386 páginas do Plano, "O futuro que eles querem".

A título de esperança, o PDEE traz apenas uma trégua nos planos de novas termonucleares, que foram postergados para um futuro além da abrangência deste Plano e que dependem da escolha de "locais propícios" entre as regiões brasileiras. Isso não quer dizer que o planejamento de mais usinas nucleares esteja descartado, mas apenas que aqui elas não estão sendo cogitadas. Vale uma reflexão e preocupação sobre o que os elaboradores consideram como "locais propícios" no Brasil ou neste nosso planeta. Angra III, no entanto, continua sendo construída.

Quanto às mudanças climáticas, o PDEE informa que o Decreto 7390/2010[3] decidiu que, no setor de energia, o responsável pela ação de prevenção e controle do desmatamento nos biomas e planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas é o PDEE. Essa responsabilidade parece incompatível com o planejamento que tem sido proposto nos planos decenais.

O grande engodo deste PDEE 2021 é a pretensão de inserir entre seus objetivos o atendimento de metas específicas de emissões de gases de efeito estufa, (des)considerando que o Plano prevê um crescimento da geração de energia por hidrelétricas em 40% e por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em 56% até 2021. Mais absurdo ainda é a geração de energia por termelétricas, que crescerá 52%, o que é incoerente com a proposta do Decreto 7390.

Premissas ou justificativas?

O PDEE continua pregando otimismo para tentar justificar o aumento da oferta de energia elétrica no próximo decênio. A equação aumento da população ativa versus aumento do consumo em ritmo maior não prevê campanhas de uso consciente de energia. No entanto, a presidente Dilma Rousseff acena com descontos na conta de luz, o que vai contribuir ainda mais com o aumento do consumo.

Com uma previsão de aumento de domicílios particulares de 62 milhões para 77 milhões em 2021, o PDEE 2021 considera que os grandes vilões do consumo são a população que utiliza equipamentos eletrodomésticos e o "sucesso" do Programa Luz para Todos. Apesar disso, programas de substituição dos chuveiros elétricos e incentivo ao uso de energia solar em novos empreendimentos de moradia social não estão previstos no Plano. Vai aumentar o endividamento da população. É crescimento sem desenvolvimento.

O setor industrial, que congrega as indústrias eletrointensivas (alumínio – inclusive alumina e bauxita, siderurgia – aço bruto, ferroligas, pelotização, cobre, celulose e papel, soda-cloro, petroquímica e cimento), é responsável por utilizar 40% do consumo industrial de energia elétrica. O Plano também prevê um aumento considerável de consumo no setor eletrointensivo.

A alternativa fotovoltaica não foi sequer considerada no horizonte do PDEE.

Geração hidrelétrica

O capítulo sobre geração de energia elétrica reafirma o objetivo do governo federal em perseguir a integração energética entre os países latino-americanos, com a maciça atuação de grandes empreiteiras, Eletrobras e subsidiárias na elaboração de estudos de aproveitamentos hidrelétricos em diversos países. Sob a lógica reversa de considerar a hidroeletricidade como "energia renovável e de baixo custo" – custo baixo que não considera a destruição dos ecossistemas, o aumento do desmatamento, a invasão e destruição da vida dos povos indígenas e das populações ribeirinhas, as mudanças climáticas, as emissões de metano, as alterações dos regimes de vazões dos rios, o inchaço das cidades -, o PDEE 2021 planeja uma escalada sem precedentes sobre os "potenciais" do Peru, Bolívia, Guiana, Argentina e Uruguai.

 O planejamento do parque gerador hidrelétrico apresenta novos projetos, num total de 19.673 MW, que serão viabilizados entre 2017 e 2021. Estão listadas no PDEE oito grandes usinas na região Norte, nos rios Teles Pires, Araguari, Tapajós, Branco, Tocantins e Juruena, e outras dez nas demais regiões. Sem considerar aquelas já licitadas e em construção, como as duas no rio Madeira, Estreito no rio Tocantins, Belo Monte, no rio Xingu, que têm previsão de início de operação até 2016. As usinas planejadas para o rio Tapajós, São Luiz do Tapajós e Jatobá constam como "estratégicas de interesse público, estruturantes e prioritárias para efeito de licitação e implantação, conforme Resolução CNPE Nº3 de maio de 2011 ".
                            
O gráfico 21 mostra que o PDEE prevê um aumento da capacidade instalada de hidrelétricas, usinas contratadas e planejadas de 2012 a 2021, e que essa expansão seria especialmente na Amazônia.
O PDEE assume que as hidrelétricas nas bacias hidrográficas da região Norte e Centro-Oeste são um grande potencial a ser explorado para atender à crescente demanda de eletricidade do país, mesmo com todos os problemas socioambientais inerentes.

Não ficam dúvidas sobre a terrível realidade que a expansão dos empreendimentos hidrelétricos pode impor à Amazônia. O PDEE, no entanto, não se satisfez em apresentar esse destino funesto, mas deixa no ar que a concretização do Plano depende da emissão das Licenças Prévias Ambientais. Sem elas, haveria atraso dos projetos hidrelétricos e uma "expansão concentrada em projetos termelétricos" se imporia para atender à demanda.

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Comentários

  1. USINAS COMBINADAS DE COGERAÇÃO
    A cogeração com térmicas a gás junto às antigas térmicas é a forma de geração distribuída que diminui o risco de suprimento por hidroelétricas distantes. Térmicas a gás, estão sempre disponíveis, independente do clima: supre a energia localmente e aumenta a reserva de potência próxima ao centro consumidor. Custa pouco (menos de 1000US$/KW instalado) porque são velozes como turbinas de avião. Aproveitam integralmente a energia química contida no gás: energia térmica no escape de gases e elétrica no eixo da turbina.
    A complementação por hidroelétricas distantes é um “cacoete” herdado da monocultura da eletricidade prevalecente à época do sistema integrado que esgotou sua capacidade de reservatórios. Serra da Mesa é o último deles. Para evitar riscos climáticos requer redundância de linhas o que aumenta o custo, especialmente ambientais.

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