Complexo do Tapajós repete a história do Complexo do Madeira

No dia 25 de junho passado, a pedido da Câmara Municipal de Itaituba, no Pará, um representante da Eletronorte fez uma exposição pública sobre os projetos das hidrelétricas no rio Tapajós. Chamada de “audiência” pelas autoridades locais, a reunião foi criticada pela comunidade e por Allyne Mayumi, que fez um competente relato além de expor todas as já conhecidas artimanhas das empresas para justificar o barramento dos rios da Amazônia.

O Blog do Fórum dos Movimentos Sociais da BR 163 – Pará, publicou o relato de Allyne que reproduzo na íntegra.

Audiência em Itaituba sobre hidrelétricas no Tapajós

Nossa companheira Allyne Mayumi, bióloga pesquisadora no Parque Nacional da Amazônia, escreveu um relato bem completo que traça um panorama do que aconteceu e do desrespeito com que todos os presentes foram tratados. Além de um grande número de ribeirinhos, indígenas, estudantes e população em geral, estavam presentes representantes do Fórum dos Movimentos Sociais da BR 163, Colônia de Pescadores, Pastorais Sociais, Comissão Pastoral da Terra, Articulação Panamazônia, Pastoral da Juventude, entre outros. Ler todo o relato

Aconteceu ontem à noite (25/06/09), a suposta “audiência” pública sobre a primeira usina hidrelétrica a ser construída no Complexo Tapajós. A postura da Câmara Municipal de Itaituba em convocar esclarecimentos sobre tal empreendimento foi importante, já que em outras iniciativas, como os Seminários sobre o Complexo Tapajós (realizados pelos movimentos sociais da região), a Eletrobrás e a Eletronorte não se fizeram presentes para explicar tal projeto, apesar de terem sido convidados.

Entretanto, essa reunião não pode ser chamada de audiência já que a definição dada à audiência pelo dicionário Michaelis é: 1 Atenção que se presta a quem fala. 2 Recepção dada por qualquer autoridade a pessoas que lhe desejam falar., ou seja, para que exista a audiência é necessário que se ouça as pessoas que estão participando e este não foi o caso. As perguntas da plenária, para não atrapalhar o andamento da “audiência”, tiveram que ser feitas por escrito e muito sucintamente. Contudo, as questões levantadas pelos vereadores (que se posicionaram claramente a favor) puderam ser feitas com o uso da palavra. O circo esteve armado sem o mínimo de pudor.

Esta foi, portanto, uma reunião de apresentação do Complexo Tapajós feita pelos técnicos da Eletrobrás e Eletronorte. Exposição tão bonita e superficial, quanto falaciosa. O senhor Rufato, engenheiro superintendente da Eletronorte, falou sobre a importância da região amazônica na dinâmica energética do Brasil, já que os outros rios do país já se encontram barrados e da grande potencialidade de aproveitamento energético devido ao grande desnível e volume de água. E como o Brasil “precisa” crescer 3,5% ao ano, é necessário aumentar a produção de energia elétrica.

O crescimento econômico, que como sabemos serve para uma pequena minoria de detentores de grande capital nacional e internacional, é o que justifica a construção de barragens em todos os grandes rios amazônicos. Foi ressaltado inclusive que não servirá de nada as hidrelétricas na Amazônia, se estas não estiverem ligadas ao resto do país. Mais uma vez fica claro que somente os benefícios serão socializados e os prejuízos já sabemos quem sofrerá. Aliás, essa foi uma das perguntas feitas por escrito pela plenária: “Como a população da região será beneficiada?” E a resposta: “Como todos os brasileiros serão. Você não tem energia na sua casa? Isso não melhorou muito a qualidade de vida? Não há como se fazer qualquer empreendimento sem impactos ambientais, o que deve ser discutido é como fazer da melhor forma social e ambientalmente.” E mais uma vez o discurso distorce e nos coloca como vilões da história. Os maiores consumidores da energia no país não são os consumidores residenciais, são as grandes mineradoras e empresas, que não pagam sequer 10% do valor da energia que nós pagamos. É por causa delas que estas hidrelétricas estão sendo construídas, não por nossa culpa.

Além disso, a fala do senhor Rufato foi claramente ofensiva aos gestores das Unidades de Conservação (UC) da região. Ele mostrou alguns exemplos de “parcerias” sócio-ambientais que estão dando certo em outras usinas. Como as terras indígenas (TI) estão sendo muito bem tratadas, o quanto os índios estão tendo assistência médica, acesso aos recursos tecnológicos e, uma foto comovente foi colocada, mostrando a devastação de um lado e a preservação da TI, graças à Eletronorte, do outro. Ele também disse que não existe ninguém cuidando das UCs, citou o Parque Nacional da Amazônia como uma UC abandonada. Nesse momento a plenária se manifestou, pois apesar de estar muito longe do ideal, humilhar os gestores que estão trabalhando na região há décadas e todos os esforços de conservação foi demais para todos. E seguindo a lógica do senhor Rufato, a melhor alternativa para a preservação dos recursos naturais seria a construção de hidrelétricas em todas as UCs, pois assim elas teriam dinheiro para realmente serem implementadas. Primeiro, o dinheiro das compensações ambientais, que deveriam ser investidos nas UCs, muitas vezes nem conseguem ser acessados pelos gestores essa é a (realidade em Carajás e aqui no Parque Nacional da Amazônia). Segundo, que se metade do dinheiro que é investido no MME (Ministério de Minas e Energias) fosse investido no MMA (Ministério do Meio Ambiente) com certeza as UCs seriam muito melhor administradas. Mas nós sabemos que essa é uma opção deste e dos governos que os precederam.
Ainda sobre as UCs da região, no mínimo 7 UCs federais teriam áreas inundadas pelas usinas que estão previstas no inventário entregue à ANEEL, e apesar de o expositor ter falado várias vezes sobre o processo transparente que vem sendo desenvolvido, nenhum dos gestores das UCs diretamente atingidas recebeu os estudos do inventário, nem foram citadas no processo de licenciamento na explanação do Rufato. As parcerias ambientais que foram muito conclamadas não se dão na prática e sabe-se que se necessário for, passarão por cima da legislação mais uma vez. Para a construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, por exemplo, já que o processo de licenciamento estava sendo barrado pelo IBAMA, qual a atitude do governo? Rachamos o IBAMA, criamos um novo instituto, dividimos o escasso pessoal. E assim foi aprovada a construção dessas hidrelétricas, portanto, não é de se estranhar os procedimentos “transparentes e de parceria”.

Quando foi questionado pelo público se haveria algum momento em que se poderia debater a construção ou não da usina, foi explicado que as audiências públicas realizadas pelo IBAMA em determinada etapa do licenciamento, tem o poder de dizer não ao projeto. Mas, diante de todas as experiências anteriores, sabemos o quanto isso não é verdadeiro. Outro ponto que não foi exposto com todas as verdades foi sobre o momento de indenização das pessoas atingidas, o engenheiro disse que não é mais como antigamente, que as pessoas eram expulsas e não recebiam nada, que agora é diferente, que a partir de agora não será permitido fatos assim acontecerem. É claro, todos nós acreditamos piamente nessas afirmações.

Mas apesar de todas as inverdades ditas nessa reunião e da revolta que ela nos causa, um fato muito positivo pode ser levantado. Este foi o primeiro momento em que a Eletrobrás/Eletronorte veio falar ao público, e este esteve em peso na Câmara Municipal. Estiveram presentes os comunitários que poderão ser atingidos, indígenas, alunos de cursos técnicos, professores, membros de movimentos sociais, servidores do IBAMA e ICMBio, pesquisadores e muitas outras pessoas que se mostraram muito críticos à exposição feita e à forma como foi conduzida. Acredito que o movimento que vise discutir o porquê da construção dessas barragens tende a crescer a exemplo do que aconteceu no rio Xingu com a hidrelétrica de Belo Monte. A luta de resistência está só começando no rio Tapajós!
(por Allyne Mayumi Rodolfo, bióloga pesquisadora no Parque Nacional da Amazônia)

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